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Bibliografias para ouvir: projeto da UFF transforma textos acadêmicos em podcast


Na correria da vida universitária, entre aulas, estágios e longos deslocamentos, sobra pouco tempo para leitura. Esse foi o ponto de partida para a criação do Livros Falados, projeto de ensino e extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF), produzido durante o segundo semestre de 2023 e lançado oficialmente no início de 2024. A iniciativa, desenvolvida pelas estudantes de Jornalismo, Júlia Azevedo e Sara Rosário, parte do objetivo de transformar bibliografias obrigatórias do curso em episódios de podcast gratuitos e disponibilizá-los em plataformas digitais.

Vinculado ao Departamento de Comunicação Social e sob orientação da professora de radiojornalismo Helen Britto, o Livros Falados visa democratizar o acesso ao conteúdo universitário, tornando-o acessível para pessoas com deficiência visual e neurodivergentes, além de facilitar o estudo para discentes que enfrentam longas jornadas no transporte público.

“Nós percebemos o quanto a bibliografia era importante para o aprendizado e como não tinha outra forma de ter esse acesso sem ser pela própria leitura. Mas a questão é que a realidade de muitos estudantes envolve trabalho, estágio e ônibus. Falta tempo nessa rotina. O nosso trabalho com o Livros Falados é acessibilizar e democratizar o ensino, levar a possibilidade de ter os ensinamentos desses textos para todas as pessoas”, relata a estudante Júlia Azevedo.

O propósito inovador da equipe é representado por meio do reconhecimento em eventos acadêmicos. Em julho de 2025, o Livros Falados ganhou menção honrosa na categoria de divulgação científica do IV Prêmio Rubra, do Encontro Nacional de Rádios Universitárias. “Colocamos o Livros Falados no Prêmio Rubra e conseguimos uma menção honrosa que nos deixou muito felizes. É um congresso que reúne várias universidades de todo o Brasil e foi legal ver o trabalho de colegas e também dar visibilidade ao nosso projeto”, conta Azevedo. 

Do ônibus para os corredores da universidade

A ideia da construção de um projeto de bibliografias que pudessem ser ouvidas surgiu em meio a longos percursos entre casa e faculdade feitos por Júlia e Sara. Como tantas pessoas que passam horas no transporte público, elas sentiam que aquele tempo poderia ser melhor aproveitado. A dificuldade em encontrar, em formato acessível, os textos requisitados nas disciplinas mostrou a urgência de encontrar uma solução que pudesse enfrentar esse obstáculo. 

“A gente fala muito que a universidade é para todo mundo, só que na prática nós vemos que não é bem assim. O primeiro objetivo do Livros Falados é ampliar o ensino acadêmico para todos, ele cumpre uma função social essencial que toda a universidade deveria ter”, explica Sara Rosário.

Professora Helen Britto com as alunas Sara Rosário e Júlia Azevedo. Foto: Arquivo Pessoal.

As duas estudantes ainda estavam no primeiro período quando expuseram a ideia para a professora Helen Britto, que ministra disciplinas de rádio dentro do curso de jornalismo da UFF. A docente, que também é responsável pela webrádio universitária Nas Ondas do IACS, possui vasta experiência com o meio e viu no projeto não apenas inovação, mas uma oportunidade concreta de transformar o modo como o conhecimento circula na academia. “O objetivo social do Livros Falados é muito emblemático, porque às vezes a gente teoriza muito e acaba não colocando em prática construções de pontes importantes como essa, entre o ambiente científico, o acadêmico e a sociedade. Muitas vezes a universidade fica num lugar de muita intelectualidade, e precisamos estar em constante diálogo com a comunidade de fora também”, destaca.

Com o apoio institucional, o projeto foi registrado como ação de ensino e extensão e passou a usar o estúdio de áudio do Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS-UFF) para realizar as gravações. Um dos maiores desafios no início foi adequar a leitura acadêmica ao formato em áudio. As estudantes logo perceberam que gravar não era apenas “ler em voz alta”: era preciso ajustar o ritmo e neutralizar o tom para facilitar a compreensão de quem escuta. “O primeiro áudio que a gente gravou foi o tópico de um artigo da Fabiana Moraes e foi quando percebemos como é diferente ler um texto pra gente e ler um texto para outra pessoa, principalmente gravando”, comenta Sara.

Por isso, a orientação da professora Helen Britto e o apoio do servidor e técnico de áudio do estúdio, Marcelo Santos, foram essenciais para o desenvolvimento da equipe. A organização inicial contou com oficinas de locução e prática em estúdio para que os estudantes pudessem dominar a linguagem sonora. Mais tarde, o processo de produção, que vai da escolha do texto à edição, passou a ser dividido.

“Dividimos a equipe em várias coordenações. Agora nós temos três: Seleção e Pesquisa, Edição, Gravação e Revisão, e Publicação e Mídias Sociais. Todas são coordenadas por membros que estão há algum tempo no projeto, a maioria desde o início de 2024, e já tem certa habilidade com as áreas. Mas, ainda assim, vivemos em um aprendizado constante.”, conta Sara.

Podcast na plataforma Spotify.

Hoje, a equipe é composta por 11 estudantes e o projeto já publicou cinco temporadas, cada uma com a leitura de quatro textos de diferentes disciplinas, totalizando 20 episódios. 

Acessibilidade, inclusão e inovação sonora 

O Livros Falados se propõe a romper com a lógica excludente de que o conhecimento universitário precisa ser passado apenas por escrito. Pessoas com deficiência visual e neurodivergências, como dislexia e déficit de atenção, são parte do grupo que hoje se beneficia diretamente dos episódios. 

“É sempre bom ter o retorno de estudantes que escutam a gente. É gratificante saber que realmente ajudamos essas pessoas e que o projeto contribui para que elas permaneçam na universidade. Recentemente eu estava conversando com um aluno  que tem deficiência visual total e passei o link de um áudio que ele estava precisando para fazer um trabalho da disciplina de linguagem fotográfica. Tivemos um retorno muito positivo de elogio à iniciativa e do quanto o ajuda nos estudos”, compartilha Sara Rosário.

Marcelo Santos, técnico de áudio, no estúdio de gravação do IACS. Foto: Arquivo Pessoal.

A abordagem é algo simples, mas que definitivamente faz a diferença na vida de muitos estudantes, tornando o conhecimento acessível e sem qualquer custo. Britto ainda destaca como a proposta tem contribuído dentro de sala de aula, com um maior número de alunos chegando com um conhecimento prévio pela escuta dos textos. “O programa também tem sido muito interessante para os professores, porque sabemos que os alunos têm enfrentado cada vez mais dificuldades para ler. A proposta delas acabou reunindo dois pontos muito importantes: a ascensão e valorização do formato em áudio e as dificuldades de leitura enfrentadas pelos estudantes — não só por uma disputa de atenção, que hoje é muito intensa, mas também pelo deslocamento e pela necessidade de dividir o tempo com várias tarefas.”, afirma a docente.

O projeto, que ainda é bem recente, tem chegado cada vez mais aos estudantes. Hoje, o Livros Falados conta com um perfil no Instagram e mais de mil reproduções no Spotify. Um alcance espontâneo que ultrapassa os muros da UFF pois, apesar de a bibliografia ser utilizada nos cursos da universidade, a coordenadora conta que estudantes de outras instituições já relataram ouvir os áudios. 

“Já tivemos alunos e professores de outras universidades interessados em participar. Isso mostra como esses áudios chegam com essas bibliografias em outros cursos e instituições. E isso nos faz pensar em, no futuro, abrir para que essas vozes possam contribuir e expandir nosso projeto com mais conhecimento”, esclarece.

Legado e continuidade 

Com o crescimento do projeto, a equipe agora pensa em estratégias de continuidade. A entrada de novos membros, principalmente de períodos mais iniciais, tem sido estimulada para garantir que o Livros Falados siga vivo após a graduação das fundadoras. Julia e Sara revelam ainda a vontade de expandir o programa para disciplinas além do Jornalismo, contemplando cursos como Publicidade, Produção Cultural e, futuramente, outras áreas da universidade. 

Parte da equipe do projeto. Foto: Arquivo Pessoal.

“Nosso objetivo principal agora é atender principalmente as áreas da comunicação. Primeiro terminar as disciplinas de jornalismo, talvez seguir para publicidade e depois pode ser que a gente expanda mais, dependendo da quantidade de pessoas na equipe e do que a gente puder fazer. Mas, com certeza, seria incrível levar o Livros Falados para toda universidade”, explica Júlia.

Mais do que uma solução prática para estudantes com pouco tempo ou dificuldade de leitura, o Livros Falados se tornou um projeto de extensão com impacto social concreto. Sendo um exemplo de como o ensino, a pesquisa e a extensão podem se unir em prol de uma universidade mais aberta, diversa e acessível. Na visão da aluna Sara, a iniciativa “torna o ensino acadêmico um pouquinho mais democrático e permite que as pessoas de fora tenham acesso ao que está sendo produzido na UFF. Quem está de fora também pode ouvir e ver o que está acontecendo na universidade”.

Ao dar voz aos textos, o Livros Falados também dá voz às múltiplas formas de aprender — e ensina, com cada episódio, que o conhecimento precisa caber nos diferentes ritmos e realidades de quem o busca. A próxima temporada do projeto está prevista para ser lançada no início do próximo semestre letivo, com novos episódios, vozes e textos que continuarão promovendo o acesso ao saber dentro e fora da universidade.

 

Helen Pinto de Britto Fontes é Doutora em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Brasil (2022). Mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Brasil (2011). Professora associada do Departamento de Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense. Já atuou como coordenadora acadêmica do Curso de Comunicação Social e na estruturação e coordenação de laboratórios experimentais de rádio, mídia impressa, TV e assessoria de comunicação em universidades. Atualmente é coordenadora do projeto de extensão Webradio Nas Ondas do IACS, do Departamento de Comunicação Social da UFF. Jornalista e Radialista, atuante há mais de 30 anos nas áreas de Comunicação, com ênfase em Comunicação Empresarial, Jornalismo, Rádio e Locução, e experiência profissional em emissoras de rádio, TV, jornais impressos e assessorias de imprensa e de comunicação, nos setores público e privado.

Júlia Pereira Azevedo é estudante do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela é co-criadora e líder do projeto de ensino e extensão Livros Falados. Também participa da Webradio Nas Ondas do IACS, cobrindo eventos como a Bienal do Rio 2025. Já foi bolsista de Produção Audiovisual na Unitevê – a TV Universitária da UFF e, atualmente, atua na Divisão de Eventos da Superintendência de Comunicação Social da universidade. 

Sara Rosário é estudante de graduação em Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é estagiária de comunicação da empresa Viciada em Viajar. Já atuou como repórter na TV Universitária da UFF e estagiária de comunicação na empresa Paiol Cultural. É co-criadora e líder do projeto de ensino e extensão Livros Falados. Desde novembro de 2024, é bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Rede Jornalismo UFF de Integridade da Informação, em parceria com a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD).

 

Por Alícia Carracena.
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