HUAP em foco: Inteligência artificial e ciência de dados ajudam no diagnóstico de doenças pulmonares
Em um cenário de frequente busca por novos métodos de solução tecnológica na área da saúde, uma pesquisa da UFF se destaca por unir a Medicina e a Ciência da Computação com a aplicação de Inteligência Artificial (IA) na análise de tomografias computadorizadas (TC) do tórax. O foco inicial do projeto está na identificação de sinais de enfisema pulmonar – doença respiratória crônica frequentemente associada ao tabagismo, e câncer de pulmão que podem se manifestar de forma silenciosa por longos períodos.
O estudo, iniciado há quase dois anos, utiliza exames de imagem e laudos médicos realizados no Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF) entre 2013 e 2019 para estruturar um banco de dados e aplicar ferramentas de IA na identificação de padrões visuais e textuais que ajudem no diagnóstico precoce e na diferenciação de lesões pulmonares. O projeto interdisciplinar foi desenvolvido a partir da iniciativa dos professores do Instituto de Computação (IC) da UFF, Marcos Bedo e Daniel de Oliveira, e da professora do Departamento de Radiologia, Cristina Asvolinsque, além de contar com a colaboração de alunos da graduação e pós-graduação de ambos os cursos.
Os primeiros resultados já demonstram o potencial da abordagem. O artigo “Aggregating embeddings from image and radiology reports for multimodal Chest-CT retrieval”, relacionado à pesquisa, foi apresentado na 37ª edição do IEEE International Symposium on Computer-Based Medical Systems (CBMS) em 2024, onde foi premiado como melhor artigo estudantil da conferência. O trabalho é assinado pelo aluno de mestrado João Vitor Silva Leite, do Programa de Pós-Graduação em Computação do IC/UFF. Além da participação de alunos, o projeto conta com incentivo do programa Cientista e Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
“A ideia é transformar esse conjunto de dados em uma base consultável por profissionais da saúde, com apoio da Engenharia de Dados e da Inteligência Artificial. Em vez de depender exclusivamente da experiência clínica, histórico e especialização radiológica, o radiologista agora poderá passar a contar com um sistema que auxilia a encontrar exames e laudos semelhantes já registrados em relação a um novo caso não diagnosticado ou em tratamento”, explica o professor Marcos Bedo.
Diagnóstico por imagem com apoio da IA
A metodologia adotada combina diferentes tecnologias, texto e imagem para realizar o que os pesquisadores chamam de “busca multimodal”. Para isso, foi utilizado o sistema de recuperação ChestFinder, que aprimora a busca de TC de tórax relacionada ao enfisema. Dessa forma, o sistema integra o conteúdo das imagens médicas com trechos dos laudos escritos por radiologistas. Por meio de métodos de buscas por similaridade e com o apoio de redes neurais e modelos de linguagem, a ferramenta é capaz de cruzar essas informações e indicar, com maior precisão, casos semelhantes presentes no banco de dados.

Imagem: Freepik
“Da perspectiva da computação, a gente percebe que o foco inicial é o dado, a partir do qual encontramos um padrão. Foi com essa ideia que começamos o projeto utilizando algumas técnicas de IA. Uma das coisas que a gente buscou desde o começo, já que temos uma base de dados histórica, foi pensar: ‘se chega um paciente novo, será que eu não consigo olhar essa base e comparar?’ O artigo foi justamente uma abordagem para permitir que a gente conseguisse consultar essas bases a partir da análise automatizada da imagem e também de alguma entrada de achado radiológico pelo médico”, relata o professor Daniel de Oliveira.
Além de representar um avanço no diagnóstico por imagem, a proposta também responde a um desafio comum nos hospitais públicos brasileiros: a sobrecarga dos profissionais e a escassez de recursos. Ao oferecer uma ferramenta que amplia a precisão e reduz o tempo de análise, o estudo também visa melhorar a eficiência do atendimento e reduzir custos com exames desnecessários ou invasivos.
“A região do tórax envolve muitas doenças diferentes, cada uma com suas próprias características. Muitas vezes, a tecnologia consegue se aproximar bastante do diagnóstico final”, explica a professora Cristina Asvolinsque, destacando o potencial da Engenharia de Dados e da IA como aliada na interpretação médica das imagens.
Ferramenta de apoio, não de substituição
Embora a aplicação da inteligência artificial em exames médicos traga benefícios evidentes, os pesquisadores fazem questão de destacar que a pesquisa não visa substituir o trabalho dos profissionais da saúde, mas oferecer uma ferramenta complementar. Para o professor Marcos Bedo, essas ferramentas de buscas inteligentes e por similaridade devem atuar como uma espécie de assistente do médico radiologista: “É um mecanismo que eu costumo chamar de copiloto. Você tem todo um protocolo clínico padrão – no nosso caso temos protocolos de diagnóstico e, depois, protocolos de tratamento, que são diferentes. Não existe uma solução computacional que resolva todo o problema. Existe um protocolo clínico e, nesse contexto, as ferramentas de IA e de computação se inserem para apoiar o trabalho e a tomada de decisão do radiologista”.
O uso da IA traz mais segurança para o diagnóstico, especialmente em casos que geram dúvidas clínicas. A tecnologia pode atuar como suporte na identificação de padrões suspeitos, indicando, por exemplo, se uma lesão tem maior probabilidade de ser mais ou menos grave. Com isso, é possível evitar procedimentos invasivos desnecessários, como biópsias, e aumentar a precisão na tomada de decisão médica.
Coleta de dados do Hospital Universitário
A base de dados utilizada no estudo é composta por tomografias de tórax realizadas no Huap-UFF a partir de 2013, quando o serviço de radiologia passou a ser totalmente digitalizado. Com isso, o hospital eliminou o uso de filmes radiológicos, modernizando seu sistema de armazenamento e tendo todos os exames, desde então, arquivados.
“Fomos ao arquivo digital de imagem de laudos e selecionamos, através de buscas na base de dados e inteligência artificial, os registros que mencionavam a doença. Foi assim que conseguimos estruturar o banco de dados para começar o estudo”, relata a professora de Radiologia Cristina Asvolinsque.
A seleção do enfisema como ponto de partida também se justifica por uma particularidade do hospital: a unidade já desenvolveu, durante anos, um programa voltado ao combate ao tabagismo, o que resultou em um número expressivo de pacientes com histórico de exposição ao cigarro. Com isso, muitos dos exames arquivados trazem registros da doença, permitindo um recorte inicial com volume de dados suficiente para aplicação das técnicas de inteligência artificial.

Professora Cristina Asvolinsque na sala de TC do Huap-UFF. Reprodução: Arquivo Pessoal.
“Após a coleta, observamos que uma parte significativa de todos os exames de tórax tinha alguma indicação de enfisema. Depois entendemos que isso se devia, em parte, ao fato de o Huap ter mantido, por anos, um programa de tabagismo, o que gerou uma base relevante para iniciarmos o estudo”, explica o professor Marcos Bedo.
A realização de testes com dados reais do hospital demonstraram que as buscas multimodais do ChestFinder, que combinam imagem e laudos, alcançaram até 52% de melhora na acurácia comparada às buscas baseadas apenas em conteúdo visual. Isso evidencia seu potencial para apoiar radiologistas na interpretação de exames, especialmente na detecção de diferentes tipos de enfisema, aprimorando o diagnóstico.
“Ao unir diferentes áreas do conhecimento, a gente tem uma grande esperança de que a inteligência artificial traga benefícios concretos para a Radiologia. Com esse trabalho, queremos agregar novas formas de o radiologista interpretar as imagens e não deixar passar nenhum detalhe. Isso pode representar um avanço importante tanto para o SUS quanto para a rede particular, melhorando a forma como enxergamos as imagens e como elaboramos os laudos”, finaliza a professora Cristina Asvolinsque.
Às vésperas da campanha do Agosto Branco, mês de conscientização sobre o câncer de pulmão, a equipe anuncia que se dedica atualmente à expansão da base de dados e já planeja estender o estudo para outras lesões, como o próprio câncer pulmonar. A expectativa é que, num futuro próximo, o sistema possa ser aplicado em hospitais de diferentes regiões, promovendo uma padronização na qualidade dos diagnósticos, especialmente em locais com menos profissionais especializados.
Cristina Asvolinsque Pantaleão Fontes possui graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (1986); Mestrado em Medicina (Radiologia) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1993); Doutorado pela Universidade Federal Fluminense (2021). Atualmente é professora Associada e Chefe do Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense. Orienta bolsista PIBITI/CNPq-UFF com o tema Inteligência Artificial no Estudo do Enfisema Pulmonar e Câncer de Pulmão, e PIBIC CNPq/UFF Mamografia e Inteligência Artificial no diagnóstico de câncer de mama.
Daniel Cardoso Moraes de Oliveira é Professor Associado no Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (IC/UFF) desde fevereiro de 2013. Obteve o grau de Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ em 2012, de Mestre em Engenharia de Sistemas e Computação em 2008 também pela COPPE/UFRJ e de Bacharel em Ciência da Computação pela UFRJ. Desde 2013, co-lidera o Grupo de Pesquisa em eScience da Universidade Federal Fluminense (UFFeScience) e o Grupo de Pesquisa em Ciência de Dados. É bolsista de produtividade C (antigo nível 2) do CNPq desde 2016, Cientista do Nosso Estado da FAPERJ desde 2024 e foi Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ de 2016 a 2023. Seus interesses de pesquisa abrangem Ciência de Dados, Gerência de Dados, eScience, Bioinformática e Aprendizado de Máquina.
Marcos Bedo é Professor Adjunto do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (IC/UFF), atuando nos cursos de Graduação e como Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Computação (PGC-IC/UFF). Possui graduação em Computação com ênfase em Banco de Dados pela Universidade de São Paulo (USP) e é Mestre e Doutor em Ciências de Computação e Matemática Computacional pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC-USP). Realizou Pós-Doutoramento junto ao Departamento de Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Atua nas Áreas de Engenharia e Ciência de Dados, com particular interesse em Consultas por Similaridade e Processamento de Imagens Médicas. É bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ desde 2024.
Por Alícia Carracena.
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